Queria escrever qualquer coisa que não fosse mais uma daquelas crônicas cansadas de amores contrariados, repletas de metáforas de mares e de guerras. Ou, pior, com uma tortuosa culpa de classe a cunhar anônimos do lumpesinato: operários, alfaiates, vigias, zeladores, varredores de rua. Corações partidos em bailinhos, promessas não cumpridas em festas juninas, melancólicas idas solitárias ao cinema. Uma prosinha deveras recalcada e vulgar com quem quer que seja.
Pois o mais honesto neste momento talvez seja confessar aos leitores que nada saiu que não fosse mais um requentar de imagens nostálgicas, historinhas ótimas para crônicas graciosas e com uma ponta de melancolia. Sete ou oito tentativas de iniciar um parágrafo; sete ou oito truques retirados do bolso do paletó.
Que bem não cairia uma daquelas evocações dos antigos recreios no arthur bernardes ! Lembraria da turma toda – o Schimmel, o Pakes, o Bueno –, da luz que entrava pela clarabóia defronte à “sala dos professores”. Um ou outro amigo sentiria uma saudade a lhe apertar a garganta e me renderia um e-mail ou um telefonema, ou talvez um video de celular ou nem isso. E pronto.
Ou quem sabe lembrar das tardes no “tanque” do Fidelis, tomando Fanta Uva e subindo na corda a lançar-nos com coragem ao fundo do lago, ou entrando pelos canaviais para fuzilar vietcongues. A coluna preta que se erguia quando conseguíamos escorregar um pneu para dentro da fogueira, para profunda irritação de minha mãe. Ou a fina camada de água, geladíssima, que cobria a grama nas manhãs mais frias de inverno.
Há todo um estoque dessas possibilidades de crônicas. Talvez já quantidade suficiente para preencher todas as terças-feiras para o resto da vida. E para quê? Toda a literatura é inútil se não pode consertar certas coisas. Quando alguém lhe diz “adeus”, morrem todos os livros. Lemos, escrevemos, e acreditamos que com isso algo está sendo redimido. De algo adianta, se ela foi embora?
Há os que argumentarão que se pode, nesse esforço, amainar o sofrimento. Encontrar razões, explicações, sentidos. Depois de três ou quatro tentativas, desiste-se até de tentar responder que, num caso desses, “superar” já é a própria tragédia em si. É essa morte que se chora, não outra. Porque a vida sempre volta, e com ela o tédio da noite. Mas quando deixa-se que um amor desses morra, o crime já está consumado.
E, no fim, nem de mais uma croniquinha cansada de amor fracassado se conseguiu escapar…